Mulheres brasileiras marcham contra projeto de lei que endurece a proibição do aborto

Milhares de mulheres protestaram no sábado contra um projeto de lei que avança no Congresso conservador do Brasil que equipararia o aborto após 22 semanas de gravidez a homicídio e estabeleceria penas de seis a 20 anos de prisão.

Os manifestantes marcharam pela principal Avenida Paulista de São Paulo carregando faixas rejeitando a proposta, que chamam de abordagem mais repressiva aos direitos reprodutivos das mulheres em décadas.

Pessoas de todas as idades, incluindo muitos reformados e crianças, encheram as ruas gritando: “Uma criança não é mãe, um violador não é pai”.

O aborto é permitido no Brasil apenas em casos de estupro, deformação fetal ou quando a vida da mãe estiver em perigo. Se o projeto de lei apoiado por legisladores evangélicos se tornar lei, os abortos realizados por vítimas de estupro seriam considerados homicídio após 22 semanas de gestação.

Grupos feministas criticaram a legislação proposta por impor penas mais severas do que as aplicadas aos estupradores no Brasil.

Eles também argumentam que as mudanças teriam um grande impacto nas crianças vítimas de abuso por parte de familiares. Estas crianças, muitas vezes sem compreensão ou apoio para se reconhecerem como vítimas de crimes, muitas vezes descobrem a gravidez tardiamente.

O presidente de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, chamou o projeto de lei de “insano” e disse que seu governo defenderá as leis atuais que punem os estupradores e tratam suas vítimas com respeito.

“É uma loucura querer punir uma mulher com uma pena maior do que a do criminoso que cometeu o estupro”, disse Lula em entrevista coletiva na cúpula do Grupo dos Sete (G7), na Itália.

Os protestos começaram na quinta-feira nas maiores cidades do Brasil depois que a Câmara dos Deputados votou para colocar o projeto de lei em processo acelerado para aprovação, o que restringe o debate sobre a proposta.

Confrontado com críticas de que as vítimas de violação que procuram abortar poderiam enfrentar penas piores do que os violadores, o autor do projecto de lei, Sostenes Cavalcante, disse que irá propor penas mais duras para a violação, actualmente até um máximo de 10 anos de prisão.

Cavalcante é pastor evangélico e membro do partido de extrema direita do ex-presidente Jair Bolsonaro.

A reação irada nas redes sociais pode retardar o andamento do projeto de lei, já que o presidente da Câmara, Arthur Lira, não planeja mais colocar a proposta em votação no plenário tão cedo e espera que seu texto seja alterado, disse uma fonte de seu gabinete.

A aprovação é ainda menos certa na Câmara Alta, onde os senadores de direita têm menos influência, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que o projeto deve ser debatido em comissões.

A primeira-dama Rosangela da Silva criticou o projeto e disse nas redes sociais: “O Congresso deveria trabalhar para garantir o acesso ao aborto legal e seguro por meio do sistema nacional de saúde SUS”.

As leis restritivas sobre o aborto no Brasil significam que muitas mulheres brasileiras que procuram interromper a gravidez recorrem a abortos ilegais e inseguros e a procedimentos mal sucedidos, que causam dezenas de mortes todos os anos.